NAVEGUE PELA COBERTURA EDUCOMUNICATIVA REALIZADA POR 100 ADOLESCENTES DO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO


18 de maio de 2008

PRESSA & PREGUIÇA *Michele Sato


Como em Manoel de Barros, o Caracol influencia meu desejo de ‘gosmar’ sobre o texto. Nosso poeta surrealista endoidece palavras, cria verbos e alucina compreensões. A incompletude, para Manoel, é a dádiva humana de sempre buscar significados que não sejam tão óbvios. Estamos perdendo, entretanto, a morosidade para mastigar as palavras nesta era corrompida da MacDonalditização. Fast food, delivery, e-mail e login (entre tantas outras palavras anglo-saxônicas) invadem nossas ‘mailboxes’ como se a informação instantânea fosse a chave para o sucesso.

Sob o imaginário de que era preciso ‘conscientizar’ as pessoas com informações, como se tivesse alguém poderoso de um lado ensinando o ignorante na outra ponta, a educação ambiental foi (ainda é, infelizmente) orientada como se somente o comportamento individual bastasse à sustentabilidade planetária. Esqueceu-se a dimensão política do ecologismo, em arenas tensivas de disputas, para acolher o projeto neoliberal do isolamento. Prateleiras de livrarias são recheadas de títulos de auto-ajuda, ou de como os ricos ensinam seus filhos, no esoterismo que se exterioriza no visível momento de enriquecimento, pois não há tempo para terapias morosas. O terrorismo de Ford e Taylor, retratado em ‘Tempos Modernos’ de Chaplin, anunciava o movimento frenético da globalização econômica, aguçado pela máquina virtual do capital de giro. VELOCIDADE parece ser o mote do ‘marketing’ em marcha, ao invés da DIREÇÃO às mudanças necessárias.

Se para alguns os ecologistas são ‘fundamentalistas da caverna’, pois renegam os processos acelerados do desenvolvimento e condenam a humanidade a viver na primitividade, para o naturalista Edward Abbey o crescimento visando puro lucro revela a ideologia das células cancerosas. Sem nenhum saudosismo banal, recupero Paul Lafargue, então genro de Karl Marx, porém que não esteve à sua sombra, mas à luz de todo seu direito à preguiça. Na tentativa de romper com o tempo unidimensional do capital, Lafargue elogiava o ócio do trabalho; e ainda que sua história relacione-se muito mais com a redução da jornada da classe proletária, é óbvio que a panacéia paquidérmica acelerada é válida até os dias atuais.

No âmago da minha contradição, todavia, o ecologismo tem pressa! E o sistema universitário de avaliação coaduna com a carne e nervos da burguesia: ‘publique ou pereça’! Quiçá, então, seja possível um movimento de entremeio, que promova o trabalho na dureza da casa de um Caracol, flexibilizado pela moleza de seu corpo. Que a pressa, afinal, não seja tão inimiga da perfeição, e que dê tempo para se viver poeticamente, abdicando o calendário linear de Chronos à recuperação de Kairos, um outro deus grego, que mensurava o tempo pelas batidas do coração. E que do ritmo ainda incompleto, renasça um Caracol híbrido adepto ao movimento circular da alimentação vagarosa (slow food), proporcionando uma temporalidade para se mastigar neologismos, metáforas e símbolos, sem negligenciar a azáfama de um ambiente deteriorado pelas visões meramente consumistas. Na tessitura existencial, talvez seja possível atender a emergência sócio-ambiental com direito à indolência para degustar o surrealismo, o vinho, a música e a paixão.

*SATO, Michèle. Pressa & preguiça. In: Sina, ano I, n.10, 2007, 16-17.

2 comentários:

mimi sato disse...

é uma super honra estar neste blog, MUITÍSSIMO grata!

Ficou linda mesmo, a page... que chic!

beijo grande e vamos simbora!
*

Liete Alves disse...

Maravilhoso! Adorei tudo! Um beijo de uma aprendiz sua.Lika.