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21 de maio de 2008

QUEM GRITA MAIS ALTO? *Liete Alves

A pressão exercida pelo setor do agronegócio e pela bancada política de Mato Grosso contra a política ambiental do Ministério do Meio Ambiente (MMA) é mais do que uma queda de braço. O avanço da soja e do gado sobre as áreas de cerrado, e mais recentemente sobre a Amazônia, tem gerado uma briga que é pura nitroglicerina. Nesse jogo de forças, a saída de Marina Silva do ministério pode ser computada como ponto ganho pelos mega empresários do campo. A desrespeitosa indicação do ministro Mangabeira Unger para a coordenação do Plano Amazônia Sustentável, feita pelo presidente Lula, teria sido a gota de água para a ministra entregar seu cargo, mas uma outra briga também pesou na sua decisão: as pressões exercidas pelos governadores Blairo Maggi, de Mato Grosso, e Ivo Cassol, de Rondônia, para rever medidas de combate ao desmatamento.

O último episódio da luta entre o agronegócio e o meio ambiente aconteceu, na sexta-feira última (16/05), em uma audiência realizada na Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso, com a Comissão Temporária Externa de Riscos Ambientais do Senado. Nela, o poder constituído e o poder econômico deram uma mostra do tamanho da briga que Carlos Minc terá pela frente. Com ânimos exaltados, senadores, deputados federais, estaduais, madeireiros, empresários do agronegócio e o governador bombardearam o Decreto 6.321, que impõe medidas econômicas restritivas a infratores, e às investidas da Polícia Federal e do Ibama na operação Arco de Fogo.

Criado em dezembro de 2007, o decreto ganhou força com a aprovação, em fevereiro de 2008, de uma resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) impondo restrição de crédito a propriedades que não tenham licença ambiental. A resolução do conselho entra em vigor em 1º de junho de 2008 e mexe no bolso do produtor que se vê obrigado a fazer seu cadastro para tirar licença ambiental. O seu registro facilita o acompanhamento e a cobrança de irregularidades.

O Decreto, que levou a essas medidas, e é tão fortemente combatido, foi a resposta dada pela ministra Marina ao crescimento no índice de desmatamento apontado pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), em 36 municípios localizados na região amazônica. Destes, 19 estão localizados no Estado de Mato Grosso. Segundo dados do Instituto, o desmatamento em Mato Grosso, nos meses de novembro e dezembro de 2007, cresceu 53,5% com 1.786 quilômetros quadrados de área desmatada.

Desde então, um novo acirramento de ânimos se estabeleceu entre o governador e a ministra. Num verdadeiro clima de guerra, o setor do agronegócio se organizou e conseguiu criar a tal comissão, que é presidida pelo senador Jayme Campos, ex-governador de MT e proprietário de terras, autuado em 2007 por dano ambiental. Em entrevista concedida no dia da audiência, a uma TV local, o senador afirmou que se preciso for tranca a pauta do Senado para conseguir derrubar o decreto.

O que fundamenta a revolta mato-grossense é a alegação de que os dados do INPE são incorretos (interessante observar como não houve reclamação quando o mesmo Instituto apontou queda no desmatamento). Segundo o governador, a metodologia usada pelo sistema Deter (Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real) é falha. No Relatório de Inspeção dos dados do Deter, produzido pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso (Sema-MT), o INPE é acusado de errar em 89,9%. Segundo o relatório, 662 pontos, distribuídos em 51 municípios, foram verificados.

Questionado em sua metodologia e acusado de prejudicar o Estado por divulgar dados incorretos, o INPE respondeu ao questionamento formalizado pelo governo de Mato Grosso analisando o relatório onde a Sema apresenta a sua versão do fato. Segundo o Instituto, das 854 fotos encaminhadas pela Sema, apenas 353 foram consideradas válidas para a análise, que apontou 57.2% de desmatamento por degradação progressiva; 39.4 % de desmatamento por corte raso; e apenas 3.4 % são apontados como não desmatamento.

Assim, o INPE concluiu que o seu satélite detectou desmatamento em 96,4% dos casos analisados, ficando provado que o sistema Deter é de extrema eficiência para o controle do desmatamento. Levando em conta que essas conclusões do INPE foram entregues para a Sema no início do mês de maio, só podemos concluir que elas foram convenientemente esquecidas por políticos e empresários do setor, presentes na audiência.

A polêmica sobre a credibilidade ou metodologia do INPE motivou uma série de manifestações de apoio por parte de ONGs, centros de pesquisas, cientistas e ambientalistas. Um desses apoios partiu do Comitê Científico do Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA). Em carta dirigida ao órgão, o LBA declara a importância e seriedade do monitoramento feito pelo (INPE), através do sistema Deter. Segundo o LBA, “seus resultados são de valor inestimável para a comunidade científica e a sociedade brasileira como um todo".

A questão está longe de ser resolvida, uma vez que parece existir um choque de concepção na raiz do problema. Ao que tudo indica, os que questionam a metodologia entendem que só deve ser considerado desmatamento o corte raso (derrubada total da área). Enquanto o sistema do Deter verifica indícios de desmatamento e detecta também a retirada seletiva de árvores da floresta (não identifica apenas áreas com corte raso). Nos mapas do INPE são apresentadas as áreas totalmente desmatadas (corte raso) e áreas em forte processo de devastação (degradação progressiva). O instituto considera que "informar as áreas em degradação progressiva é fundamental para controle do desmatamento. Com estes dados, a fiscalização poderá agir e evitar o desmatamento futuro."

Mediante essa situação e considerando corretos os dados do INPE, fica a impressão que o agronegócio quer mesmo é avançar a qualquer custo sobre a floresta. Embora Blairo e sojicultores neguem a relação, o avanço dos tratores sobre a floresta recua ou avança de acordo com a demanda mundial de carne e grãos - que no final redunda em carne também, com a utilização do farelo de soja na produção de rações. Tudo isso parece acontecer à revelia de tratados e acordos, a exemplo da chamada "Moratória da Soja", declarada em 2006 pela Abiove e pela Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), que determinava que as companhias não comprassem soja oriunda de novas áreas desmatadas na Amazônia. Não sei se a moratória da soja está funcionando. Sei que para outras atividades econômicas parece não haver restrições. A ONG Amigos da Terra – Amazônia afirma que um terço das exportações de carne in natura de 2007 tem sua origem na Amazônia, principalmente nos Estados de Mato Grosso, Tocantins, Pará e Rondônia.

Mas a cobrança do governador para com a presidência da República encontra sua origem nos conchavos feitos em períodos eleitorais. O preço do apoio dado pelo governador começou a ser cobrado tão logo Lula foi eleito para o seu segundo mandato. Participando de um churrasco em dezembro de 2006, numa fazenda de soja em Sapezal (MT), a 480 quilômetros de Cuiabá, Lula, entre um naco de carne de boi e outra de carneiro, concordou com o governador e declarou que a política ambiental de Marina era um entrave ao agronegócio e às obras de infra-estrutura.

Certamente que a política de Marina incomodava e impunha restrições, como as ações da Operação Curupira que virou pelo avesso os órgãos responsáveis pela gestão ambiental no Estado. Atualmente, o ponto nevrálgico na briga entre o agronegócio e o meio ambiente é mesmo o decreto 6.321, e quase todas as forças do agronegócio e da política do Estado estão empenhadas em derrubá-lo. Mas, segundo o governador, a briga já está ganha, pois o presidente Lula teria garantido a ele que iria rever o decreto.

É difícil imaginar como o novo ministro do Meio Ambiente vai conseguir manter o decreto em pé e fazer valer a lei, num Estado que está ameaçando parar. Entre outras queixas, o grupo de deputados e empresários que fazem coro com o governador, acusa a Polícia Federal e o Ibama de praticar atos truculentos contra as indústrias madeireiras na Região Norte de Mato Grosso. Eles também se acham injustiçados e reclamam da fama que o Estado está levando de ser o maior destruidor da floresta amazônica. A pecha não agrada ao governador que gosta de vestir uma camisa verde em eventos internacionais.

Este é apenas um dos conflitos para Minc resolver. É a batalha para impedir que novas áreas de grãos avancem sobre a floresta, ocupando terras griladas ou compradas a preços irrisórios e sendo estimulados pela Cargill, Bunge, Amaggi e ADM, que financiam o produtor e garantem a compra do produto. A revogação do decreto seria um verdadeiro nocaute para Marina, o Minc e o meio ambiente. Sua manutenção poderá ser uma importante sinalização para uma política ambiental mais coerente com as necessidades de um planeta em colapso. Vamos ver quem ganha esta guerra.

*Liete Alves – Jornalista e educadora ambiental, secretaria executiva da Rede Mato-Grossense de Educação Ambiental (Remtea) e facilitadora da Rede Brasileira de Educação Ambiental (Rebea). Mestre em Educação, pesquisa Educação Ambiental, Comunicação, Educomunicação.

3 comentários:

mimi sato disse...

Lika
excelente matéria, consistente, política e certeira. PARABÉNS!

vc tem um papel importante na educomunicação e agradeço sua gigante participação.

beijos da fã
*

imara quadros disse...

Liete!
O seu desenho desta questão crítica, foi impecável!!
Parabéns!
Imara

Anônimo disse...

Liete,
parabéns pela matéria.
Equilibrada e clara, precisa ser divulgada. Vou repassar. Há ainda muita gente que precisa acordar.
Um beijo
Carlos Henrique